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Friday, May 01, 2020

'O Caminho Não Seguido' e 'Os Contornos do Rosto Dele'

Robert Frost escreveu dois poemas que todos devíamos conhecer: o primeiro é 'Stopping by Woods on a Snowy Evening', já referido no final da publicação 'Cores de Água' 3/20, e o segundo é 'The Road Not Taken' (ouvir aqui). Nos dois poemas, o segredo reside nos três últimos versos que se aplicam a tudo - ou a quase tudo - na vida!

Para pintar não é preciso saber desenhar, ou saber desenhar muito bem; a identidade de cada artista está na sua criatividade e na forma como transforma a sua ideia numa obra de arte - sempre dentro das suas limitações. Se olharmos para uma pintura de Wassily Kandinsky (1866-1944) ou de Paul Klee (1879-1940) e ficarmos com a ideia de que conseguíamos fazer igual, estamos a estrangular o nosso artista interior! Se olharmos para as obras de Kandinsky ou Klee e nos sentirmos impelidos a fazer algo diferente - o que é bem mais difícil, senão impossível - teremos talvez uma hipótese! 

Kandinsky, Composição VII (1913), Galeria Tretyakov, Moscovo
Klee, Máquina Chilreante (1922), Museu de Arte Moderna, Nova Iorque 

Então, o que se segue? Por onde começar? Pelo desenho! O bom e velho desenho! Ingrés (1780-1867) terá dito que o desenho é a 'probabilidade da arte'; sem  desenho não há pintura, porque o desenho não é apenas o contorno, é a expressão, a forma, o modelo - o primeiro passo para a pintura. A verdade é que não importa se sabemos desenhar ou não, o que importa é encontrar o nosso estilo de desenho e, para isso, temos de começar pelo início!

Plínio, o Antigo, Naturalis Histotiae, 35.151

Por volta de 650 a.C., em Sicyon - pequena vila do Peloponeso a 20 km de Corinto - vivia o famoso oleiro Butades e a sua filha, Kora. Ela era muito bonita e tinha muitos pretendentes que visitavam  a oficina, a pretexto de verem os trabalhos de Butades, mas na verdade iam com a esperança de verem Kora, nem que fosse por breves segundos. Butades empregou um jovem de Corinto como aprendiz. Ele tornou-se bastante querido do oleiro e não demorou muito para que ele e Kora se apaixonassem, mas rapidamente chegou o dia em que ele estava pronto para voltar à sua cidade e abrir a sua própria oficina. Antes de partir, convidou Kora para um breve passeio em jeito de despedida.
Caminharam lentamente até ao templo, junto do qual se sentaram. Kora admirava-o atentamente, com medo de se esquecer do seu rosto assim que ele partisse. 'Porque é que esquecemos os rosto daqueles que mais amamos quando estes se ausentam?', perguntou a si mesma. O sol parecia caminhar mais rápido do que o habitual, projectando a sombra do rapaz na parede ao lado. Ele moveu a cabeça e Kora viu o seu perfil na parede: 'Não te movas!', pediu. Agarrou num fragmento de cerâmica de um vaso que alguém ali tinha deixado cair, e desenhou os contornos do rosto dele.

Jean Baptiste Regnault, A Origem da Pintura (1785), Musée de l'Histoire de France, Paris

Depois de um mês a experimentar aguarelas, percebi que o próximo passo era aprender - ou reaprender - a desenhar. Este foi o caminho que não segui quando resolvi dedicar-me às aguarelas. Vou dividi-lo em duas partes: 'O Caminho não Seguido', para os primeiros passos no desenho e 'Os Contornos do Rosto Dele' para os desenhos de objectos.