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Sunday, May 31, 2020

Loja: Ponto das Artes, Porto

Há já muito tempo que não entrava numa loja onde me sentisse tão entusiasmada! Talvez por ter sido a primeira loja em que entrei depois da época de confinamento, senti mais entusiasmo do que aquele que senti ao entrar na loja Prada em Nova Iorque. Acreditem, é verdade! Até porque nunca me entusiasmei muito com moda. E já tinha entrado na Versace em Roma. Gosto muito da Medusa!

Bom, eu tinha três hipóteses: 
  • desistia das aguarelas e arranjava outro entretenimento - crochet, por exemplo;
  • continuava com o material que tenho e tentava fazer melhor - missão impossível;
  • fazia um upgrade ao material, enchia o peito de coragem e tentava fazer melhor.
Optei pela terceira hipótese, obviamente. Ainda é muito cedo para me declarar a pior pintora de aguarelas do mundo e sou muito nova para fazer crochet. É coisa de velha, não é? E estabeleci um limite, não por questões económicas, mas por questões de logística: decidi que não posso acumular muitos materiais em casa, não só por falta de espaço, mas pelo desperdício que é, porque depois estorvam, ninguém os quer e vão para o lixo. Assim, estabeleci o limite de €100! Não é por ano, mas também não é para a vida toda! A regra é esta: só é permitido ultrapassar os €100 se e só se  - eu preciso de matemática, lógica e muita filosofia para estabelecer regras! - gastar os materiais que tenho.  

Encontrei a loja Ponto das Artes por acaso e nunca, mas nunca me tinha apercebido da sua existência. Realmente, só vemos o que estamos preparados para ver, pois passei na frente desta loja inúmeras vezes e nunca tinha dado conta. Andava a pesquisar as borrachas-pão e vi o anúncio da loja. Embora fechada por causa do confinamento, aceitava encomendas online, mas como eu não conhecia os materiais, queria vê-los e fazer perguntas antes de os comprar. Pesquisei exaustivamente todo o site, vi todos os materiais relacionados com aguarelas e fiz a minha lista. Como é uma loja da especialidade, não tem materiais 'fracos', isto é, para além dos profissionais, tem os produtos adequados para os estudantes de artes. Foi por esta gama que optei depois de muitos cálculos e análises macroeconómicas da minha equipa, que me propôs a seguinte equação praticamente merecedora do Prémio Nobel da Economia: 

qualidade x preço <=> jeito da artista

Precisava urgentemente de pincéis. Seguindo a lista dos pincéis recomendados no Magia da Cor (aqui), tentei encontrar uma forma de adquirir pincéis espatulados, redondos e de ponta fina de vários tamanhos, tendo em conta a minha equação. Optei pelos conjuntos de Pincéis para Aguarela Campus. São pincéis de cerdas não naturais, em cabos de madeira longos lacados. São vendidos em conjuntos de 3 pincéis numa variedade de quatro tamanhos: S, M, L e XL e cada conjunto traz um espatulado, um redondo e um ponta fina. Concluindo, isto dá: 
  • 4 pincéis espatulados, tamanhos 4 (S), 8 (M), 12 (L) e 20 (XL); 
  • 4 pincéis redondos, tamanhos 8 (S), 12 (M), 16 (L) e 20 (XL);
  • 4 pincéis de ponta fina, tamanhos 2 (S), 4 (M), 8 (L) e 10 (XL).
Feitas as contas, o total destes 12 pincéis era de €15.91. 

Seguiram-se as tintas. Decididamente, as minhas não eram nada boas, tendo em conta os resultados nos vídeos que fui vendo. E se lidar com a imprevisibilidade da aguarela já é difícil, lidar com a má qualidade da aguarela é ainda mais difícil. Pondo de lado as maravilhosas marcas profissionais disponíveis nesta loja, reparei que a Derwent, que apenas conhecia do meu lápis de grafite, tem a linha Derwent Academy, mais em conta pois, como o próprio nome indica, é para estudantes de arte. Passou a ser a minha marca para tudo neste momento. Escolhi:
  • a Caixa de Pastilhas Aguarela Derwent Academy de 12 cores: a paleta vem numa caixa metálica cuja parte superior tem 3 secções e traz ainda um pincel fino; 
  • o Conjunto Aguarela Derwent Academy de 12 tubos de 12ml: a paleta vem numa caixa de plástico, sendo útil um godé com tampa, daqueles com uma coluna para colocar a tinta e outro para diluir na água.
As cores da caixa são amarelo ácido, laranja, vermelho, azul escuro, azul, verde escuro, verde claro, ocre amarelo, terracota, umber queimado, preto e branco. Esta paleta estava marcada por €8.15. Inacreditavelmente, a paleta de tubos estava mais barata, €7.85. Vou guardar os tubos para outras aventuras e já abri o estojo das pastilhas. Eis o resultado: 

[imagem]  

Usei o pincel espatulado n.º 4 e aproveitei para experimentar todos os outros. À medida que os experimentava, percebi que os XL serão apenas úteis se fizer pinturas grandes e vai fazer-me falta um pincel fino. O da Derwent, que vem no estojo das pastilhas, é perfeito, mas talvez um pincel mais fino ainda, para pequenos detalhes, não seja má ideia, assim como um leque. À primeira vista pode parecer que não faz falta nenhuma, mas se pensar num modo de pintar árvores, talvez seja útil. 

Por fim, os acessórios: a máscara e a borracha. Optei pela Máscara Líquida Sennelier e queria o frasco com aplicador, mas como não estava disponível, tive de optar pelo de 75ml por €7.04. Quanto à borracha, optei pela Borracha Pão da Faber-Castell por €1.03, não porque goste muito desta marca, devo ser das poucas pessoas que não a prefere às outras do género, mas porque tem a vantagem de vir numa prática caixinha para guardar. A Borracha Miolo de Pão da Derwent custa €2.28 e a da Inart €0.80. Como duram bastante tempo, optei pela que me pareceu mais prática para guardar. 

Nota: Tinha na minha wishlist da Fnac a Borracha Pão da Faber-Castell. Não está disponível na loja, é vendida por um agente, por €4.90. Antes de comprar qualquer coisa, convém sempre pesquisar!  

Já cortei uma tira de meio centímetro e guardei a restante, embrulhada num plástico extra, dentro da caixa para preservar. É das coisas mais estranhas que já experimentei no mundo das artes: basta ir amassando e moldando da forma que mais jeito der para apagar, e guarda-se também embrulhada num plástico para não secar. As linhas a lápis desaparecem suavemente e o papel mantém-se intacto. 

Tive um grande problema quando fui ver os expositores com material para desenho: bastou-me ver a Derwent para ficar com vontade de comprar tudo e mais alguma coisa! Tentei concentrar-me no que era verde (a Derwent é azul, a Derwent Academy é verde), mas a tentação era muita! Demonstrei grande controlo ao apenas escolher um conjunto de lápis de carvão para fazer experiências e esfuminhos. Finalizei as compras com um Conjunto Lápis Carvão Derwent (blister com 4 lápis de carvão claro, médio, escuro e branco) por €4.60 e uma embalagem de 3 diferentes tamanhos de Esfuminhos da Talens por €1.04. A assistente da loja respondeu a todas as minhas perguntas e foi buscar o que eu não encontrei com rapidez: foi a rainha da eficiência. Quando vi a conta, percebi que fazem desconto em todos os artigos, ou seja, em vez dos €39.98 previstos, paguei €29.27! Guardei as compras no meu saco de pano e voltei para casa de máscara, por isso ninguém reparou no meu mega sorriso!

Nota da contabilidade: Nestas compras, gastei €29.27! Total de €00.00!   

AVISO À TRIPULAÇÃO

Vou suspender os meus relatos artísticos por três meses. Preciso de tempo para terminar a formação de teatro e gosto de desligar-me do mundo nos meses quentes. Infelizmente, não vou poder ir para nenhuma ilha, a não ser através dos livros do Lawrence Durell que gosto de ler à sombra de uma árvore em Anafiótika, enquanto ouço o Mia Varka Gia Na Pas Apenadi do Giannis Parios. Durante a pandemia, restam-nos os livros!

Friday, May 01, 2020

'O Caminho Não Seguido' e 'Os Contornos do Rosto Dele'

Robert Frost escreveu dois poemas que todos devíamos conhecer: o primeiro é 'Stopping by Woods on a Snowy Evening', já referido no final da publicação 'Cores de Água' 3/20, e o segundo é 'The Road Not Taken' (ouvir aqui). Nos dois poemas, o segredo reside nos três últimos versos que se aplicam a tudo - ou a quase tudo - na vida!

Para pintar não é preciso saber desenhar, ou saber desenhar muito bem; a identidade de cada artista está na sua criatividade e na forma como transforma a sua ideia numa obra de arte - sempre dentro das suas limitações. Se olharmos para uma pintura de Wassily Kandinsky (1866-1944) ou de Paul Klee (1879-1940) e ficarmos com a ideia de que conseguíamos fazer igual, estamos a estrangular o nosso artista interior! Se olharmos para as obras de Kandinsky ou Klee e nos sentirmos impelidos a fazer algo diferente - o que é bem mais difícil, senão impossível - teremos talvez uma hipótese! 

Kandinsky, Composição VII (1913), Galeria Tretyakov, Moscovo
Klee, Máquina Chilreante (1922), Museu de Arte Moderna, Nova Iorque 

Então, o que se segue? Por onde começar? Pelo desenho! O bom e velho desenho! Ingrés (1780-1867) terá dito que o desenho é a 'probabilidade da arte'; sem  desenho não há pintura, porque o desenho não é apenas o contorno, é a expressão, a forma, o modelo - o primeiro passo para a pintura. A verdade é que não importa se sabemos desenhar ou não, o que importa é encontrar o nosso estilo de desenho e, para isso, temos de começar pelo início!

Plínio, o Antigo, Naturalis Histotiae, 35.151

Por volta de 650 a.C., em Sicyon - pequena vila do Peloponeso a 20 km de Corinto - vivia o famoso oleiro Butades e a sua filha, Kora. Ela era muito bonita e tinha muitos pretendentes que visitavam  a oficina, a pretexto de verem os trabalhos de Butades, mas na verdade iam com a esperança de verem Kora, nem que fosse por breves segundos. Butades empregou um jovem de Corinto como aprendiz. Ele tornou-se bastante querido do oleiro e não demorou muito para que ele e Kora se apaixonassem, mas rapidamente chegou o dia em que ele estava pronto para voltar à sua cidade e abrir a sua própria oficina. Antes de partir, convidou Kora para um breve passeio em jeito de despedida.
Caminharam lentamente até ao templo, junto do qual se sentaram. Kora admirava-o atentamente, com medo de se esquecer do seu rosto assim que ele partisse. 'Porque é que esquecemos os rosto daqueles que mais amamos quando estes se ausentam?', perguntou a si mesma. O sol parecia caminhar mais rápido do que o habitual, projectando a sombra do rapaz na parede ao lado. Ele moveu a cabeça e Kora viu o seu perfil na parede: 'Não te movas!', pediu. Agarrou num fragmento de cerâmica de um vaso que alguém ali tinha deixado cair, e desenhou os contornos do rosto dele.

Jean Baptiste Regnault, A Origem da Pintura (1785), Musée de l'Histoire de France, Paris

Depois de um mês a experimentar aguarelas, percebi que o próximo passo era aprender - ou reaprender - a desenhar. Este foi o caminho que não segui quando resolvi dedicar-me às aguarelas. Vou dividi-lo em duas partes: 'O Caminho não Seguido', para os primeiros passos no desenho e 'Os Contornos do Rosto Dele' para os desenhos de objectos.